quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

"Quem é você?"


  Faz muito tempo que não escrevo simplesmente porque preciso. Mas às vezes a gente vê coisas que nos inspiram tanto que a expressão dos sentimentos é quase uma necessidade vital, seja ela como for, por lágrimas ou pela escrita. 
Foi o que aconteceu comigo quando vi a obra da minha ex-chefe querida Marcela Tiboni. Nessa obra, ela aparece nua, como que numa imagem refletida num espelho com uma gola que lembra séculos passados e segurando uma faca em seu pescoço... Essa obra me emocionou muito, mesmo não sendo grande conhecedora das artes plásticas.
  No instante seguinte a minha primeira visão, tentei entender o por quê da emoção, e a primeira coisa que me veio a cabeça foi o diálogo entre Alice e a Lagarta, que aparece em Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll, se bem me lembro é mais ou menos assim:
"Lagarta: Quem é você?
 Alice: Eu sou Alice
 Lagarta: Não, você ainda não é Alice..."
  O fato é que todos precisamos passar por grandes etapas, desafios e auto-descobertas para responder a essa pergunta que seira tão simples mas é a mais difícil. Acho que a arte tem o poder de chegar no que é mais profundo no homem, ela começou junto com a idéia de Deus, tentando acalmar as angústias daqueles homens que pintavam em suas cavernas para tentar se proteger, logo que tiveram consciência de sua mortalidade. Hoje, se pensar, nós também usamos de muitos artifícios para nos defender...
  A arte mostra nossos medos, angústias, segredos profundos e medíocres... E, pelo menos, na minha opinião, a grande obra de arte é aquela em que o artista se desnuda de corpo e alma, quando abre mão da vergonha, do pudor, dos valores sociais e familiares, ou ainda se mostra consciente de todas essas interferências mas ainda tenta, ao menos, ultrapassá-las por esse desejo vital de expressão do que realmente sente, doa a quem doer...
  O bom artista consegue responder a pergunta da Lagarta, pelo meio de seu talento. Quando vi o trabalho de Marcela senti isso, que essa obra tinha saído da mais profunda reflexão e questionamento (aliás salvei a imagem no meu computador sob o nome de ''Marcela'', não poderia ter outro título para mim), sua nudez- mesmo tanto que personagem em sua própria obra- significou pra mim uma total entrega e exposição... Entrega, apesar do medo, de possíveis críticas, de incompreensões de uma sociedade muitas vezes estúpida, que compreende mais a violência, de filmes neandertais que consistem em sangue e carros explodindo, mas não conseguem entender ou ao menos se compadecer do amor de pessoas do mesmo sexo... Bom, como disse Krishnamurti: "Não é atestado de sanidade ser bem adaptado a uma sociedade extremamente doente".
  A obra de Marcela me fez pensar o que preciso passar ainda para poder responder A pergunta, pois sinto que ainda não cheguei lá, mas pelo menos continuo caminhando, e cada vez um pouco mais próxima da total nudez de pensamentos e sentimentos...
  Na minha opinião a arte serve, entre muitas outras coisas, pra nos ajudar nesse caminho, pra quando a gente estiver pensando em ir pela via "mais segura" ela nos lembrar que não existe verdadeira segurança. Pra quando estivermos apáticos, ela nos dar aquele tapa necessário; pra nos lembrar que a vida é uma só, e que não vamos sair vivos dela... pra ouvir aquela música (todo mundo tem uma, ou várias...) que funciona melhor que heroína e nos deixa levitando durante seus efêmeros minutos, mas dependendo do que acontece neles, pode valer mais que quinze anos de escola (aliás isso não anda tão difícil...).
  A gente se apega a diplomas, finanças, carreiras, relacionamentos, religião, auto-ajuda, família, valores, procurando uma resposta... pra assegurar uma felicidade pressuposta, mas esquece de se perguntar: e se tudo isso não existisse? Quem sou eu? Nada, nem ninguém pode dar a resposta... É bem mais difícil do que parece, a sinceridade consigo tem um preço, e é um caminho sem volta, parece como pular de um precipício, mas a vista é linda...

O Primeiro dia de férias por Laura Trachtenberg Hauser
Bom, o primeiro dia de férias! Genial para a maioria das pessoas, fim dos estudos, do trabalho, teoricamente de tudo que nos incomoda, e nos afasta da plenitude pessoal e humana... pois é, pra mim as coisas funcionam de maneira um pouco diferente. Para explicar isso tenho que falar um pouco mais sobre mim.
Estudo história na Sorbonne, porque digo especificamente a Sorbonne, bom talvez para me gabar um pouco, e principalmente para me proteger de contra-argumentos quando digo que meu curso é imensamente trabalhos, demanda horas de estudo e leitura, o que serve para justificar todas minhas neuroses, ou talvez tampá-las com a peneira...
Como acabei na Sorbonne, sendo que sou brasileira... morei durante um ano na França em 2009, gostei muito do país e, de volta à São Paulo, detestava a faculdade de jornalismo... Alors, resolvi me inscrever para a Université Paris 1... fui aceita, e fui!
Durante os oito meses de curso anuais, estudamos que nem cavalos, des de o Império Romano, até a História Moderna da Transilvânia (sim, a Transilvânia existe... sim, o personagem do Conde Drácula foi inspirado num antigo « senhor feodal » da região)- começamos a ver que estamos realmente na merde quando pesquisamos algo no Google e a unica resposta é « 0 resultados », aí a solução é se jogar nas bibliotecas, lídar com os seres estranhos que vivem por lá e se alimentam de livros, nunca falam alto, são sempre pálidos e vivem se esgueirando entre as prateleiras, com o tempo você acaba virando um deles...
E após esses oito meses de gritos de desespero nas cavernas mais profundas, procurando a única edição do livro sobre a política construtiva medieval de Milão nos séculos XIV e XV, sim isso existe... O ano de repente acaba.
Aí acordo num dia de feriado em Paris, ou seja: tudo fechado, graças a politica de bem estar social francês, Merci la France! E me deparo com o dia inteiro sem absolutamente nenhuma tarefa. O primeiro sentimento é de alívio, de missão comprida, momentos megalomaníacos com direito a gargalhadas satânicas por ter passado em História Medieval... num segundo momento um vazio...
E não há nada melhor para ocupar um vazio que uma boa preocupação, logo vi que o meu aluguel do mês não havia chegado ao proprietário por culpa do banco, algo facilmente resolvível quando não estamos em um dia de feriado na França, mas mesmo assim resolvo mandar cerca de 10 e-mails para o banco, para a agência de apartamentos, para minha gerente do bando e para a secretária da agência de apartamentos, uma mulher de 40 anos, não casada, francesa, infeliz com sua vida amorosa... que já passou faz tempo do seu estado balzaquiano.
Tendo isso feito, são 11h30 da manhã e ainda tenho meu dia inteiro pela frente pronto para ser arruinado, a pergunta é: como fazê-lo¿ sim, pois isso é um talento, é preciso dedicação, força de vontade e aptidão...
Depois de meia hora andando em círculos pelo meu chateau de 17m², no quinto andar sem elevador, com o teto inclinado- bom, sempre posso dizer que moro numa cobertura em Paris... Sabe aqueles prédios centenários charmosíssimos parisienses, que sempre aparecem nos filmes franceses que nós de humanas veneramos e sempre nos imaginamos morando num desses, tomando uma taça de vinho e escrevendo nossos pensamentos em um moleskine antigo, Pois é, não funciona bem assim... primeiro que até você carregar a garrafa de vinho mais suas compras de supermercado já não é tão poético...
Mas voltando ao dia de férias, coloquei a roupa pra lavar e comecei a arrumar o apartamento, imundo depois de duas semanas de exames finais, época em que sobrevivemos a base de comida congelada, dormindo em cima dos livros e fotossíntese a base da luz do computador... real story...
Não contente, lembrei que tinha uma amiga, estudante de história da arte que teria ainda uma prova de história antiga, e aí vem a parte que mais me envergonho: mandei uma mensagem para ela perguntando se não queria ajuda para estudar... estou até sentindo sua reação após ler essa frase, mas tenha sempre em mente doeu mais em mim do que em você... Estudei tudo de novo no meu primeiro dia de férias, toda dinastia julio-claudiana romana e os sucessores de Alexandre, o Grande... quando estávamos dando um tempo tomando uma cervejinha meu celular da dois pequenos toques, era a agenda... tinha esquecido completamente que tinha análise naquela tarde... não é surpresa, depois de tudo isso, que eu faça análise...
Expulsando minha amiga de casa fui correndo até minha psicanalista como estando atrasada para qualquer compromisso, disposta a chegar a tempo cumprir o horário e voltar pra casa. Cheguei a tempo sentei no sofá do consultório e... nada, silêncio... mais nada... um branco, um vazio- aquilo não era mais um compromisso... não conseguia saber o que eu sentia, nem que pensamentos me passavam pela cabeça, me deu uma tensão por não conseguir fala nada, como estar falhando numa prova, depois angustia por não conseguir nem saber o que estava sentindo fiquei olhando para o teto, e para o gato da minha analisa que roncava profundamente (a falta de interesse dele também não ajudou)... ela disse:
- “o tempo acabou”
-hoje eu não consegui
-faz parte – ela concluiu com um sorriso acalentador.
Fui embora, sentei num banco por uma meia hora, pensando no que tinha feito com o meu dia, dessa vez a conjugação do verbo não poderia ser outra: o que eu fiz com meu dia... o que me faz pensar que a conjugação quase nunca é outra, na maior parte do tempo somos responsáveis por nossos dias, todos os que compõem a nossa vida...
Pena que não paramos todos os dias meia hora num banco de rua pra pensar como foi o nosso dia, para fazer uma avaliação sincera dos acontecimentos, e não apenas nos nossos dias des férias, que pena dever esperar os parênteses, para poder definir o curso do texto... Por quê não percebemos todas as desculpas que nos damos para continuar nossa vida de formiga em campo de trabalho forçado¿ Por quê se questionar ficou tão difícil¿
Só sei que às vezes os silêncios são mais úteis que as respostas diretas e seguras, principalmente sobre as perguntas que não ficam guardadas em livros de bibliotecas subterrâneas, nem em oráculos modernos via internet e, muito menos, em teses de doutorado. O problema não é arruinar o primeiro dia de férias, mas deixar de perceber que não percebemos todos os outros dias...